O local mudou, mas o roteiro não. Neste domingo (11), no Espaço das Américas, Morrissey apresentou o mesmo setlist que nos outros shows de sua turnê brasileira, em Belo Horizonte (7) e no Rio de Janeiro (9) - e até a referência ao príncipe Harry, em visita à capital paulista, foi a mesma que no Rio. Com a temperatura subindo conforme o show se aproximava do fim, o público, porém, não deu importância ao fato: com gritos efusivos de "Morrissey, Morrissey", os viúvos dos Smiths mataram a vontade de assistir a um dos grandes nomes do rock inglês de todos os tempos.
Desde o começo do show, Morrissey parecia mais solto que em suas apresentações na última semana, em Rosario e Buenos Aires, na Argentina. Não demorou muito e, ao final da quarta música, Alma Matters, ele soltou um "São Paulo, I love you". O bumbo da bateria, com a bandeira do Brasil estampada, também pode servir para os mais críticos chamarem o cantor de demagogo, mas Morrissey não precisava de nada disso. A plateia, com média de idade acima dos 30 anos, já gritava o nome do cantor como em um estádio de futebol enquanto os vídeos selecionados por Morrissey passavam no telão, exatamente antes de sua entrada no palco. Jogo ganho antes mesmo da bola rolar.
Morrissey e sua banda cumpriram o protocolo da turnê e cumprimentaram o público na frente do palco antes mesmo do primeiro acorde. O show começou incendiário, com a ótima First of the gang to die, faixa de seu elogiado disco You are the quarry, de 2004, que marcou o fim de um hiato de sete anos sem material novo. Seguindo em sua carreira solo, o cantor cantou You have killed me, Black cloud e a já citada Alma Matters.
A primeira música do The Smiths, banda dos anos 80 que consagrou Morrissey e o tornou uma espécie de deus para alguns de seus fãs, a aparecer no repertório foi Still ill. Presente no repertório brasileiro após ficar de fora dos três últimos shows na Argentina, a música é uma síntese do que tornou os Smiths e Morrissey ícones do indie: ritmo quadrado e simples, os dedilhados de guitarra característicos de Johnny Marr - repetidos com perfeição por Jesse Tobias - e as letras incisivas do cantor. Apesar do ritmo alegre, você dança e se pega ouvindo uma música sobre o desolamento da juventude com o governo de Margaret Thatcher.
A realeza britânica também foi alvo do cantor durante o show. Assim como fez no Rio de Janeiro, Morrissey aproveitou a passagem do príncipe Harry por São Paulo para destilar veneno. "O príncipe Harry está em São Paulo para divulgar a família real. Eles querem seu dinheiro. Por favor, não deem", disse, antes de cantar Meat is murder, também do The Smiths, seu hino sobre o vegetarianismo. Apesar da intensidade do final da música, em um arranjo que faz a canção crescer, o ritmo modorrento torna o número o pior momento da apresentação. O telão atrás da banda, o unico ligado, mostrava imagens de animais sendo abatidos e castrados. Um pouco constrangedor.
O público, assim, ganha um momento para respirar, apesar do forte calor que tomava conta do Espaço das Américas - o local passou por um reforma que retirou as pilastras que atrapalhavam a visão, mas parece não ter recebido um sistema de ar condicionado suficiente para a lotação de 8 mil pessoas divulgada pela produção. Além disso, o som embolado destacava demais o baixo e em alguns momentos eram imperceptíveis as guitarras ou os detalhes do teclado.
Mesmo assim, o público brasileiro se mostrou bem mais empolgado que os argentinos. Talvez tenha sido a mudança de repertório, que limou uma faixa nova, Scandinavia, e privilegiou o repertório dos Smiths para o final. Antes dos clássicos, porém, ainda houve o momento strip-tease da noite, com o cantor tirando sua camisa e a atirando ao público em Let me kiss you. Os gritos femininos e masculinos se misturaram.
"Agora que nos conhecemos um pouco melhor..." foi a frase escolhida pelo cantor para introduzir o talvez maior clássico dos Smiths, There's a light that never goes out. A música foi responsável pelo maior coro da noite, com o público cantando a plenos pulmões os versos trágicos da declaração de amor em que Morrissey narra o quão glorioso seria morrer ao lado da pessoa amada mesmo se um caminhão de 10t os atropelasse. Drama, desde sempre, foi uma parte muito importante da carreira do britânico.
Daí para a frente o público enlouqueceu com mais clássicos do Smiths. Please, please, please, let me get what I want, em versão pungente, fez os casais se balançarem com os olhos fechados, mesmo com o problema na caixa de som que trouxe um zunido à música, e How soon is now? trouxe um pouco de libertinagem ao ambiente. O cantor, então, voltou para o bis, trajando sua quarta camisa da noite, e agradeceu à recepção calorosa. Enrolado em uma bandeira do Brasil, Morrissey ainda cantou One day goodbye will be farewell, de seu último disco solo, Years of refusal e terminou um show com vários pontos altos. Nada mal para quem ficou doze anos longe do país.
Confira o setlist do show em São Paulo:
First Of The Gang To Die
You Have Killed Me
Black Cloud
When Last I Spoke To Carol
Alma Matters
Still Ill
Everyday Is Like Sunday
Speedway
You're The One For Me, Fatty
I Will See You In Far-Off Places
Meat Is Murder
Ouija Board, Ouija Board
I Know It's Over
Let Me Kiss You
There Is A Light That Never Goes Out
I'm Throwing My Arms Around Paris
Please, Please, Please Let Me Get What I Want
How Soon Is Now?
Bis
One Day Goodbye Will Be Farewell
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